Hoje vou mostrar-vos onde é que vivo, finalmente. Mais que o local em si ou as condições, o interessante são as pessoas que fazem do local aquilo que ele é.
Confesso que nos primeiros dias sempre que vinha para casa pensava "mas onde é que eu me fui meter?". Para quem passa na zona, mais parece um bairro social francês. E não, não sei como são os bairros sociais franceses, mas foi a primeira coisa que me veio à cabeça. Conviver com tanta diversidade no inicio não era fácil, pois trazemos uma bagagem de estereótipos pronta a ser usada, mas agora que já percebemos como funcionam as coisas, é um espectáculo.
O dormitório dos estudantes internacionais consiste numa divisão entre grupos (uns mais fechados que outros), o que não é novidade nenhuma em situações de minorias. Passado um mês já consigo avaliar o comportamento dos diversos grupos e falar-vos sobre isso (é uma das coisas que mais adoro por aqui, a antropologia acompanha-me para qualquer lado).
Não sei os números ao certo, mas basicamente consiste na seguinte ordem:
Indianos (fechadíssimos)/Paquistaneses (igualmente). Normalmente estão sempre a discutir Caxemira. É uma piada, dão-se "bem", que remédio. É de reter que mulheres comem numa mesa e homens noutra, nunca se juntam.
Árabes (um enorme numero de nacionalidades que partilha a mesma língua e religião). Como é óbvio, as poucas mulheres usam burca. Estes são os mais "rebeldes".
Os estudantes de países africanos dividem-se em 3 grandes grupos: falantes de Espanhol, Francês e Inglês. Também fechados, o caso dos falantes de espanhol é curioso porque muitos deles nem arranham no inglês, o que os torna bem fechados ao exterior. Curiosamente tenho contacto com muitos estudantes da Guiné-Equatorial.
Turcos. Para mim são os "europeus muçulmanos", um grupo aberto ao exterior e sem qualquer problema com isso. Conheço uma enorme quantidade de turcos e só tenho coisas positivas a dizer sobre eles. Até porque por vezes os chineses pensam que também sou turco (a aparência física é semelhante, dizem), daí me perguntarem sempre nos restaurantes se quero mesmo comer porco.
Asiáticos. Indonésios são até perder de vista. Num dia conheci um deles, no dia seguinte apresentou-me a mais 10. Apesar de serem simpáticos, Timor ainda me está no goto (brincadeira). Os Sul-Coreanos são os "europeus asiáticos", apesar de fechados e em número elevado, levam comigo todo o dia. Ao ponto de já saber ter uma conversação simples em coreano ou até juntar-me a eles nas mais diversas actividades (para espanto de quem vê de fora).
Russos/ Ucranianos. Sim, andam sempre juntos apesar do que se está a passar politicamente. Na verdade a convivência entre eles até dá para outro post, a que terei de chamar "guerra silenciosa".
Quase no fim da "hierarquia", estão todos aqueles de países como: Turquemenistão, Cazaquistão, Tajiquistão, etc e tão. São muitos mas sempre separados, nem sequer de grupo poderemos chamar. O que acontece também com todas as outras nacionalidades que não são "compatíveis" com estes grupos.
E no fim, finalmente, nós os europeus. Minoria da minoria, nunca nos juntamos em grupos de dezenas (ao contrário de todos os outros). Sabem como é a Europa, pequena mas tão dividida. Não sou eu que digo, mas sim todos os outros, somos os "brancos". É, agora sei o que é ser "julgados" pelo credo, crença e cor. Apercebi-me e confesso que não é fácil para alguém de fora conviver com os europeus. Aqui são os alemães que estão em maior número.
Percebe-se que as razões da divisão devem-se acima de tudo à língua. O que é totalmente aceitavel, pois ao sair daquele portão só se fala chinês. Apesar das diferenças, convivemos diariamente sem qualquer problema, num local que chega a tornar-se utópico. No outro dia discuti isto com um amigo iraniano e ao apercebermos-nos da forma como os estudantes estrangeiros se relacionam aqui, ele perguntou-me ingenuamente:
"Se as pessoas conseguem conviver desta forma na mesma casa, porque é que os Governos não o fazem?"
Desculpem-me o tamanho do texto. Abraços!