#convidado - A guerra no Iémen.
Ainda esta semana o jornal Expresso publicou a notícia de que as Nações Unidas aprovaram o embargo de armas aos rebeldes Houthi do Iémen (ler aqui:http://expresso.sapo.pt/nacoes-unidas-aprovam-embargo-de-armas-aos-rebeldes-houthis-do-iemen=f919864). Depois da conversa que tive com um dos rapazes do Iémen, esta notícia é uma lufada de ar fresco para os meus amigos e deixa-nos com a esperança de que tudo volte à normalidade. Vamos perceber o porquê.
O semestre passado tinha cerca de seis colegas de turma naturais do Iémen, amistosos e super simpáticos são as palavras certas para os definir. Tivemos longas conversas e fui convidado várias vezes a saborear com eles o café do Iémen. A curiosidade era mútua, eu nunca tinha conhecido ninguém do Iémen e para eles eu para além de ser o único português, era o primeiro europeu com o qual podiam tirar todas as dúvidas que tinham sobre o que é viver na Europa. A Europa continua a ser um local perfeito no imaginário de quem vive naquele que é o país mais pobre das nações árabes. Estes meus colegas voltaram para o Iémen quando os rebeldes começaram a ofensiva e entretanto nunca mais voltaram, ficou cá um e foi com esse que falei.
Começamos pelo mais importante. Como estão os familiares? "Da minha família felizmente ainda ninguém morreu. O meu irmão, que vive em Sana (capital), não pode ir trabalhar porque há bombardeamentos todos os dias perto do seu local de trabalho. Quando falo com os meus familiares eles dizem para não me preocupar, mesmo sabendo que passam muitos dias sem sair de casa e sem electricidade. Mas ao ler as notícias é natural que esteja sempre preocupado."
"Tenho família em Aaden (capital do sul) eles não podem trabalhar, o meu irmão mais novo não pode ir à escola. A vida que se faz não é normal."
Então e os nossos amigos, alguma novidade? "Sempre que os vejo a por likes nas fotos [wechat] é um alívio."
Para aqueles que como eu não percebem o que se está a passar ao certo no Iémen, um deles explicou.
O Governo que esteve no poder (33 anos) antes do actual era corrupto e deixou o povo na miséria (como explicar que um dos países que mais petróleo exporta seja o mais pobre das nações árabes?). O Governo mudou, mas o exército continuou nas suas mãos e agora juntamente com os Houthi (uma minoria, muçulmanos xiitas) estão a tentar tomar o país à força. Os iemenitas defendem-se como podem (no Iémen todas as famílias têm armas em casa) mas estão a lutar contra rebeldes que têm o apoio do seu próprio exército, tanques e artilharia pesada.
Tal como todas as outras nações árabes, o Iémen é um país muçulmano sunita (somente o Irão é xiita), como tal, os países árabes começaram a bombardear posições rebeldes. No entanto, na opinião desde meu amigo, os bombardeamentos não são suficientes, o melhor seria mesmo a Arábia Saudita (englobada numa aliança de nações árabes) entrar no país com forças terrestres e obrigar os Houthi e os que ainda apoiam o último governo a baixar as armas. "Se continuarem à espera, poderá ser tarde de mais para o povo do Iémen. Eu estou com medo do futuro, porque os Houthi estão a matar todos."
© Mohamed Al-Sayaghi / Reuters
As coisas não se adivinham fáceis para os habitantes do Iémen, pois a Arábia Saudita (maior poderio militar na zona) não os pode ajudar sozinha devido à ameaça do Irão e nas Nações Unidas as coisas não andam para a frente porque a Rússia continua do lado Iraniano. Se tudo parece complexo, ainda mais complexo se torna se pensarmos que a Arábia Saudita e os países vizinhos do Iémen sempre estiveram do lado deste último governo (que agora bombardeiam). "Esta coligação suportou o último governo porque só assim poderia tirar partido do nosso petróleo e território, agora estão contra eles porque têm medo de uma guerra civil. Se vierem é por medo de perder o acesso ao petróleo, não por nos quererem ajudar. Em todo o caso, precisamos deles."
(http://expresso.sapo.pt/houthis-avancam-para-sul-e-presidente-do-iemen-foge-outra-vez=f916891)
Quando falo com estes rapazes, aquilo que mais curiosidade me dá é o Islão e tudo o que o envolve. Foram muitas as conversas que tivemos a apontar diferenças entre culturas e religiões, eu explico como funcionam as coisas em Portugal e na Europa, eles explicam-me como funcionam no Iémen e no Islão. Aceitamos e respeitamos ambos os lados como bons amigos. Não poderia deixar fugir esta oportunidade para falar abertamente daquilo que ele, como muçulmano, tem a dizer sobre o estado islâmico. A resposta foi simples e directa: "Se eles matam pessoas, não pertencem ao Islão!", continuou, "Para um muçulmano, matar uma pessoa é pior que destruir a Haram (a Mesquita Sagrada, em Meca). Eles dizem-se muçulmanos, mas não há como o serem.".
Para nós, Ocidentais, a religião muçulmana tornou-se quase que um sinónimo de terrorismo. Falei disto por aqui várias vezes tanto com muçulmanos como não muçulmanos e a ideia para além de errónea, como muitos de nós bem sabemos, demonstra uma certa ignorância e estupidez. Seja de onde vier, e apontamos sempre o dedo aos media, temos de ser nós próprios a filtrar a informação e perceber que alhos não são bugalhos. E vocês dizem, "Então e todos os ataques terroristas que têm vindo a matar milhares de inocentes?", a resposta parece-me óbvia, infelizmente quem o fez, fez embandeirando uma religião, mas conhecendo o Islão, facilmente percebemos que um terrorista nunca poderá ser um muçulmano. Estou a falar-vos dos muçulmanos como poderia estar a falar de outra religião, não podemos deixar que monstros nos cultivem a cultura do ódio entre diferentes crenças.
Abraço, e desta vez também para todos os meus amigos iemenitas.